terça-feira, 6 de setembro de 2016

Orgulho em azul e amarelo


A Guerra do Kosovo foi um dos episódios mais lamentáveis da história recente da humanidade. Um genocídio étnico foi promovido pelo governo da então Iugoslávia contra a maioria de origem albanesa e muçulmana que habita aquela região.

Sempre houve uma divisão clara entre as etnias do lugar, com o ódio apenas crescendo com o tempo e se acirrando quando os demais países que formavam a Iugoslávia foram declarando a independência. O Kosovo historicamente era uma região albanesa, e desde que foi incorporado pelo Reino da Sérvia, em 1912, existia o sonho de reunificar a "grande Albânia". Inclusive, uma briga generalizada aconteceu nas últimas eliminatórias para a Eurocopa quando um drone sobrevoou o estádio em Belgrado com a bandeira da Albânia, resultando em punições para ambas as equipes.

Depois de anos com muito sangue derramado, o Kosovo declarou sua independência em 2008. Existia uma discussão sobre ser um estado independente ou se incorporar à Albânia, mas a primeira opção foi a escolhida. A ONU reconheceu a declaração em 2013, aceitando oficialmente o novo país como um membro.

Sangue derramado de tantos inocentes, paisagens devastadas, corações em frangalhos. Um lugar com tensão racial tão latente e uma opressão violenta que durou vários anos tem motivos claros para exaltar seus símbolos nacionais. Para o Brasil, para os Estados Unidos, para a maioria dos países ocidentais, a bandeira, o hino e as instituições que representam a nação não são um símbolo de resistência. Para o Kosovo, são.

Poder hastear a bandeira, cantar o hino e se dizer kosovar são representação de orgulho, de vitória. De ter superado os inimigos, de finalmente reconhecer que aquele é o seu canto, o seu pequeno espaço de pertencimento no mundo. O pedaço de chão que é daquela etnia, daquele povo que precisou perder tantos filhos para hoje ser livre.

E o esporte é a forma que um povo tem para ser visto mundialmente, para ter sua bandeira mostrada em rede mundial. Um dos maiores momentos das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro, foi a medalha de ouro de Majlinda Kelmendi no judô, a primeira da história do novo país. Quase todo mundo de fora daquele pedaço de chão que assistiu à cerimônia de premiação pôde ouvir pela primeira vez na vida o hino do Kosovo.

O hino do Kosovo não possui letra. É só uma melodia que representa tudo o que pode ser não dito, mas sentido sobre um país que sofreu tanto para ser um país. A relação das nações com seus hinos é fascinante, como no caso do Chile, que praticamente redefiniu o sentido dos versos finais após a sanguinária ditadura de Pinochet: que o la tumba serás de los libres o el asilo contra la opresión. Antes, só palavras. Depois, um grito de liberdade cantado a plenos pulmões.

Nesta segunda-feira, cinco de setembro de 2016, a seleção de futebol do Kosovo entrou em campo pela primeira vez para disputar um jogo oficial. Enfrentou a Finlândia, fora de casa, pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2018.

Boa parte dos jogadores kosovares defendia a seleção da Albânia, e não da Iugoslávia/Sérvia, antes da independência. Também existem casos de atletas vestindo a camisa da Suíça, até mesmo da Bélgica ou de outros países espalhados pela Europa. Mas, quando um novo país é oficialmente aceito pela ONU, atletas nascidos no lugar podem pedir para passar a defendê-lo. Muitos o fizeram, e puderam finalmente se sentir totalmente representados pela camisa que vestiam.

Valon Berisha foi o autor do primeiro gol oficial da seleção. Antes, ele defendia a Noruega: crescera no país, filho de refugiados kosovares. Aos 23 anos, marcou história na nação da qual seus pais foram obrigados a fugir.

Infelizmente, ainda esperaremos para ver esse time jogando realmente dentro de seu país em uma partida oficial, já que estádios no Kosovo ainda não foram liberados pela FIFA para esse propósito. Mas o mando será exercido na Albânia, onde uma grande comoção já é esperada quando a equipe enfrentar a Croácia, no próximo dia 6 de outubro.

A história recente do Kosovo é de dor, perdas e tragédia, mas o esporte é a forma que toda nação tem para tentar se reerguer e mostrar seu orgulho. Seja com uma medalha olímpica de ouro, seja com um empate fora de casa no primeiro jogo oficial de futebol, a tarefa tem sendo feita com sucesso. Hoje, o orgulho nacional floresce. A liberdade não existe só em cada praça do país, mas dentro das quatro linhas, onde uma camisa azul e amarela pode ser vestida e defendida.