quarta-feira, 29 de junho de 2016

Maradona e Messi são frutos de seus tempos

Diego Maradona foi o típico anti-herói oitentista. Parece saído de um filme de Brian DePalma ou Martin Scorsese: usuário de drogas, acima do peso, amado mesmo com incontáveis defeitos. Foi capaz de vencer dentro dos campos de futebol uma guerra que a Argentina perdera nos campos de batalha, com um gol driblando até a rainha e outro usando a "mão de Deus".

Lionel Messi é o típico garoto desse início de século. Parece saído de um video-game: técnica perfeita, encantamento visto por televisores, coração de plástico. Campeoníssimo vestindo a camisa de seu clube, o Barcelona, parece sempre abaixo do seu melhor quando defende seu país. Não canta o hino, não parece ver que o simbolismo do futebol dentro de uma seleção nacional é muito maior, salvo raras exceções, que com os milhões envolvidos nas equipes europeias.
O encontro de gerações que pode salvar a seleção argentina.

Ambos são gênios com a bola nos pés e escreveram seus nomes entre os maiores que já praticaram esse esporte encantador. Mas não se pode tirar o homem de seu tempo. Talvez o menino quieto, tímido e de gelo não fizesse sucesso nos anos 80. Talvez o porra-louca polêmico e desregrado não chegasse às glórias nos anos 2000/10. Pode sempre existir um certo saudosismo à Meia-Noite em Paris em nossas vidas, porém, nunca seremos capazes de nos desvincularmos de tudo que o mundo à nossa volta nos transmite.

A seleção argentina não ergue um troféu desde 1993. Na Copa do Mundo do ano seguinte, vimos o brilho derradeiro de Maradona, que foi pego no anti-doping após um início animador e presenciou o definhamento de seu país. Seriam treze anos com destaques aquém do esperado de um país bi-campeão mundial até que Messi pudesse assumir o protagonismo em 2007. Como um messias, trouxe de volta as esperanças e foi visto como um salvador.

Quatro finais perdidas depois, ele se diz cansado. Mesmo sem a garra de Maradona, vê-se a tristeza clara em seu semblante, a dor e a pressão que caem sobre o maior jogador do planeta na atualidade de salvar a camisa albiceleste do poço das lamentações. Perder é difícil para quem é acostumado a erguer troféu atrás de troféu em Barcelona. As decepções da vida são muito mais complicadas para quem não está acostumado a tê-las.

Num universo paralelo onde o heroísmo ainda existe na geração playstation, Messi não deveria anunciar a aposentadoria da seleção argentina, mas sim do Barcelona. Reunir-se-ia em uma rotina de treinos com compatriotas interessados, preparando-se incessantemente para aterrizar na Rússia em busca de finalmente fechar sua jornada de herói. Mas por mais que nós, cronistas, tentemos conferir tons épicos ao universo esportivo, ele não funciona totalmente como gostaríamos.

Eis o que acontecerá neste mundo real, longe da literatura esportiva épica: Maradona, que envelheceu e se tornou, como boa parte dos anti-heróis oitentistas, um tiozão com ares de descolado, vai fazer o papel de mentor para Messi. O ex-craque já declarou, inclusive, que pretende conversar e tentar convencer que o jogador do Barcelona volte atrás. Vai demorar, mas quando a hora de embarcar para a Rússia estiver se aproximando, Lionel comunicará que aceita o chamado e sim, vai partir para a aventura.

Será a última chance, e seja com final feliz ou triste, renderá inúmeros textos para todos que vibram com o futebol. Messi poderá alcançar a glória e passar o resto da eternidade ao lado de Maradona no Hall dos Ídolos do Futebol Argentino, observando e abençoando sua nação, ou poderá ser mais uma vez derrotado, viver tristemente no exílio pensando que fracassou com todo um povo e não pode mais cruzar os mares tormentosos para sentir o carinho da terra natal. Isso tudo, é claro, no maravilhoso mundo das ideias.

Os homens podem ser frutos de suas épocas, mas o futebol é universal. Os gols de Maradona e de Messi serão vistos e apreciados por infinitas gerações. Só não se sabe ainda qual será o estigma que virá junto com os do segundo.

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